Por um ensino contemporâneo de literatura
20/02/2010
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O desafio primeiro que se impíµe ao ensino de Literatura nos dias de hoje é o suposto desinteresse do jovem pela leitura, relato que já se tornou clichê nas conversas entre professores da disciplina. Entretanto, o referido lugar-comum encobre alguns meandros da questão, que se mostra mais complexa se analisada detidamente. Com efeito, o fascínio pelas histórias e pelo livro enquanto objeto de desejo é fato relativamente comum dentre as crianças pertencentes a uma faixa etária mais baixa (portanto, as que se encontram no primeiro segmento do ensino fundamental). Sendo assim, nessa etapa da escolaridade, malgrado os atrativos midiáticos e tecnológicos atuarem maciçamente, a leitura impíµe-se como um interesse legítimo entre os estudantes, que, estimulados pela abordagem predominantemente lúdica, costumam acorrer í s bibliotecas dos estabelecimentos de ensino.
São a pré-adolescência e, fundamentalmente, a adolescência as etapas problemáticas para a manutenção do interesse pela leitura. Os alunos que, nessa ocasião, transitam pelo segundo segmento do ensino fundamental e pelo ensino médio passam a ter de encarar textos que, por diversas vezes, demandam considerável esforço para sua adequada compreensão e análise. Muda também a formação do professor que atua diante dos estudantes, visto que, agora, é o especialista no ensino de Língua e Literatura que lida com os jovens. Esse profissional, via de regra, ainda mantém contemporaneamente um paradigma de leitor ideal, o qual se aproxima, numa idealização nostálgica, do leitor do século XIX. Evidentemente, a expectativa é frustrada: falta o entendimento de que os jovens dos dias de hoje não corresponderão a esse projeto, pois vivem em um meio social diferente, cercados de outras demandas que inquietam e estimulam.
Por outro lado, a mesma juventude que resiste í leitura das obras recomendadas pelas escolas é a que devora “Gossip Girls”, “Crepúsculo” e, há poucos anos, esperava freneticamente pelo lançamento de mais um volume da saga de Harry Potter. Evidente é que são de outra natureza os textos trabalhados em sala de aula: nesse sentido, os clássicos precisam ser devidamente apresentados aos jovens leitores, a fim de que sejam formados indivíduos com um arcabouço cultural amplo e sólido. Problemática é, porém, a abordagem dessas obras no espaço escolar. Não são poucas as instituições que, no ensino médio, ainda continuam a apresentar a Literatura sob um ponto de vista predominantemente diacrônico, em um entediante discorrer de estilos de época. Ao prestar esse desserviço í prática da leitura, a escola não só se mostra preguiçosa (já que repete exaustivamente uma abordagem mantida há décadas nos currículos), mas também equivocada, pois limita o ensino da disciplina ao seu aspecto histórico.
Sendo assim, o entrave não consiste, óbvio, no texto clássico, mas sim, primordialmente, como ele é analisado no espaço escolar. Em “Como e por que ler os clássicos universais desde cedo” (Objetiva), Ana Maria Machado já fazia ver que algumas alternativas, como a adoção de adaptações e releituras, poderiam surtir um efeito de proximidade e sedução para aqueles textos que, em princípio, são de pouca acessibilidade a um leitor que ainda está se formando. Posteriormente, dentro ou fora do espaço escolar, o indivíduo, munido das estratégias sistematizadas pelo docente, poderia realizar adequadamente a fruição da obra clássica. Mais recentemente, com a informatização do espaço educacional, abriu-se um vasto campo de estratégias que podem ser utilizadas para aproximar os jovens da Literatura: blogs, podcasts e diversas outras ferramentas virtuais felizmente começam a ser utilizadas pelos professores, mesmo que de maneira tímida seja por desconhecimento dos recursos, seja ainda por conta do receio em fazer uso da tecnologia como aliada da leitura.
Um ensino contemporâneo de Literatura é aquele que não idealiza alunos, mas que os enxerga na plenitude de suas realidades; que promove o conhecimento efetivo de obras e autores de referência, mas afasta da prática escolar abordagens enfadonhas, que tratam da Literatura exclusivamente sob o viés da diacronia; que lança mão de recursos diferenciados ao promover a abordagem do texto literário, formando leitores competentes. Enfim, é um ensino que possibilita ao jovem usufruir plenamente do universo da leitura, viajando “nessa magia/ de alma e coração”, como afirma o refrão do samba do Salgueiro em seu enredo que, no recém-findo carnaval de 2010, tratou do fascínio que os livros podem exercer sobre o homem.
JORGE LUIZ MARQUES DE MORAES é doutorando em Literatura Brasileira da Faculdade de Letras da UFRJ
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/02/20/por-um-ensino-contemporaneo-de-literatura-267824.asp |
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